“Português Língua de Herança, PLH: Um, dois, três e já!”
Ana Clotilde Thomé Williams
Associate Professor of Instruction
Northwestern University
Resenha sobre o livro Jennings-Winterle, F. & Lima-Hernandes, M.C. (Orgs.) (2015). Português como Língua de Herança: a filosofia do começo, meio e fim. New York: Brasil em Mente.
Ana Clotilde Thomé Williams
Associate Professor of Instruction
Northwestern University
Resenha sobre o livro Jennings-Winterle, F. & Lima-Hernandes, M.C. (Orgs.) (2015). Português como Língua de Herança: a filosofia do começo, meio e fim. New York: Brasil em Mente.
O livro Português Língua de Herança: A filosofia do começo, meio e fim, organizado por Felícia Jennings-Winterle e Maria Célia Lima-Hernandes chega para preencher uma lacuna importante para quem lida com educação em PLH.
Obra pioneira no tema, li o livro com avidez do “começo, meio ao fim”! E quando terminei, queria mais. Sim, a leitura encantou-me. Além das organizadoras, enriquecem o livro as autoras: Andreia Moroni, Cássia Bittens, Carine de Oliveira Rocha, Karina Viana Ciocci-Sassi, Patricia Fincatti, Luciana Lessa Rodrigues, Ivian Destro Boruchoswki, Juliana Azevedo Gomes, Andréa Menescal Heath, Ana Lúcia Cury Lico , Gláucia V. Silva e Claudia Storvik. É um livro cuidadosamente escrito a pais, professores, pesquisadores e educadores que se importam em oferecer à criança uma oportunidade ímpar: a aprendizagem da língua portuguesa e da cultura brasileira, num contexto de vivência fora do Brasil.
O tema me desperta muita paixão. Não apenas porque, como linguista, há muitos anos, trabalhei com um tema “irmão” ao da língua de herança em minha pesquisa de mestrado, ao propor uma estratégia de ensino “intercultural” da língua estrangeira a crianças pré-escolares - e continuo até hoje fazendo pesquisa e atuando na linha do ensino/aprendizagem intercultural do português - mas porque há alguns anos tornei-me mãe de crianças que têm o português como língua de herança. Unindo atividade profissional com interesse pessoal, abracei a causa do PLH, e a leitura do livro convence-me ainda mais que, apesar dos constantes desafios, estou no caminho certo!
Para decidir que meus filhos iriam ter no português sua língua de herança, respondi a importantes questionamentos: vivendo nos Estados Unidos, o que fazer do Português, que é minha língua materna? O que fazer dos valores culturais que me identificam como Brasileira? Vou deixar a meus filhos minha língua e cultura como herança, ou atenuar minha identidade, abafar minha história e a do meu país, e a realidade cultural em que cresci? Vou sucumbir ao uso da língua do país em que moramos e esquecer a riqueza da minha própria língua e cultura? Ou lutar pela manutenção da língua portuguesa em minha casa e oferecer aos meus filhos um conhecimento linguístico e uma experiência bicultural que vão alargar seus horizontes e lhes proporcionar diferentes oportunidades no percurso da vida?
Pais brasileiros que moram fora de seu país de origem: o que fazer da sua língua materna, o português? Por quê? Para quê? Vale a pena? Essas são perguntas que ecoam por todo o livro. E as respostas ressoam com clareza. As três partes que compõem a obra partem de uma linha temporal que seguem, na verdade, uma “filosofia para o PLH”. Nesta resenha, associo as partes do livro, “começo, meio e fim”, com a conhecida contagem em português que nos prepara para um jogo ou uma corrida: “um, dois, três e já!”
UM: No Começo, a citação de Guimarães Rosa propõe que se “conte a infância”. Lê-se a respeito da história da língua portuguesa no Brasil, que antes nem era a “língua oficial” do país. Mas depois, de língua trazida pelo colonizador, tornou-se uma língua levada para fora do Brasil, pelos imigrantes, ampliando o território onde o português brasileiro é falado. Com o tempo, ações governamentais de incentivo ao Português como Língua de Herança nos países onde há a diáspora brasileira passaram a facilitar iniciativas de pais e professores no exterior. No começo, especificamente agora, na primeira infância, também se dá o início do vínculo afetivo e do desenvolvimento emocional pela língua de herança. Nessa fase, como bem se argumenta no texto, pode-se adotar a “flacidade” ou a “plasticidade” cultural, que interpreto como o “deixar-se submeter” `a cultura dominante ou o “deixar-se dialogar” com ela. Fato é que as crenças do brasileiro em se ver inferiorizado, descontente com seu país, e o receio de que seu filho não terá um bom desempenho acadêmico afetam diretamente seu compromisso em transmitir o português como língua de herança. O livro direciona pais que desejam valorizar a bagagem cultural e linguística que trazem consigo. Muitos vão se identificar com os questionamentos que aborda: a televisão ajuda ou atrapalha? A quantidade do input na língua de herança é mais importante do que a qualidade? Como acontece a interação linguística entre pais e filhos bebês? Que atitudes são cabíveis para manter a língua? Que estratégias podem auxiliar os pais?
A língua de herança é também um espaço de “integração de identidades”. O contexto multicultural e multilíngue de uso da língua é intrinsicamente complexo devido a crenças e peculiaridades socioculturais e ambientais que podem extrapolar o universo da família ou da escola bilíngue para alcançar políticas regionais ou nacionais.
DOIS: O Meio, como aquela “pedra no meio do caminho”, do poema de Drummond evocado na introdução dessa parte, traduz-se tanto pela forma como a criança pode se tornar bilíngue, como também pelos desafios que se apresentam à medida que crianças multiculturais vão crescendo. Procura-se responder a perguntas, como: Como desenvolver a consciência fonológica, sintática e pragmática em um universo multicultural e multilíngue? Que espaços ocupam a alfabetização e a leitura nesse contexto? Como a afetividade e a cognição se coadunam no desenvolvimento de um ser bilíngue? Lidar com alunos bilíngues não é tarefa fácil, e o desencorajamento da língua de herança, em favor da língua dominante no país, pode erguer barreiras intransponíveis. Para lutar contra isso, enfatiza-se que, desde o princípio da idade escolar, é necessário priorizar a conscientização do valor social, cultural e mesmo profissional da língua de herança. E isso pode muito bem ocorrer pela incorporação de atividades de alfabetização, fundamentadas por meio de programas de formação em PLH a profissionais e familiares.
Resultados positivos poderão ser alcançados se houver um planejamento. A formalização de um currículo em língua de herança torna–se peça chave para o sucesso na língua. Um currículo de impacto, como bem se expõe, envolve uma característica essencial: a criatividade. Crianças de diferentes faixas etárias se beneficiam com projetos pedagógicos que estimulam a releitura criativa de contos, a exploração dos diferentes sentidos das palavras, e a transformação de objetos através de novos conceitos. Sob esse enfoque, o ato de ler ganha extrema importância, especialmente porque as histórias propulsionam um grande projeto: o leitor passa a ser um escritor!
Há três elementos muito importantes no meio em que a criança aprende a língua: a família, a escola e a comunidade. Desses três, ressalta-se com muita propriedade o papel crucial da família, fonte da herança da língua portuguesa falada no Brasil. Como as famílias se enxergam, que sistema político adotam dentro de casa para a manutenção da língua e como o próprio aprendiz se vê são aspectos de suma importância para o sucesso na LH. As escolas e a comunidade dão sustento à iniciativa das famílias.
TRÊS: O fim, o que seria o fim? Uma reflexão de Fernando Pessoa nos guia para a conclusão da obra: “Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena”. O fim, como bem está exposto “é apenas o começo”. O ensino/aprendizagem de PLH não termina na infância. Na verdade, não termina nunca, porque tem muitos “fins”, sim, “finalidades” que se expandem, se transformam, e revigoram o PLH. Iniciativas para o trabalho com adolescentes e adultos estão presentes, em especial em regiões onde há concentração de imigrantes e em universidades que oferecem o ensino da língua portuguesa. Muitas vezes, estudantes universitários não tiveram a oportunidade de aprender a língua em casa, com seus pais, na escola ou na comunidade quando pequenos, mas têm no português uma referência familiar importante. Experiências linguísticas e culturais de alunos se transformam em rico material para a sala de aula. Diversos contextos de uso e registros motivam estudantes a se reencontrar com suas origens.
O jovem e o adulto bilíngue têm um desafio muito grande: que importância dar a seu bilinguismo e biculturalismo? Os filhos de brasileiros que moram no exterior buscam uma identidade para se apoiar. E aqui reside mais uma vez o papel fundamental da família: a relação dos adolescentes com os pais é essencial para a identidade linguístico-cultural do filho. Nessa fase, o jovem fará suas escolhas e no fim das contas, pesará se o longo caminho de aprendizagem do PLH valeu a pena. Ao contemplar os relatos do livro, as experiências e a proposta como um todo, os resultados certamente compensarão os sacrifícios da jornada.
E JÁ!
O livro Português como Língua de Herança: A filosofia do começo, meio e fim é uma leitura fundamental a todos que se encontram ou se encontrarão em situação de multiculturalismo e multilinguismo, tendo o português como língua de origem e sua manutenção como alvo.
Vivendo nessa situação há muitos anos, conheço pais que se arrependeram por não terem incentivado o português de seu filho. O “E já!” lança o desafio, impulsiona os participantes a se lançarem na pista de corrida e a buscarem o prêmio na linha de chegada: o sucesso da comunicação em Português Língua de Herança. A leitura do livro é, a meu ver, imprescindível para a conquista do prêmio.
Obra pioneira no tema, li o livro com avidez do “começo, meio ao fim”! E quando terminei, queria mais. Sim, a leitura encantou-me. Além das organizadoras, enriquecem o livro as autoras: Andreia Moroni, Cássia Bittens, Carine de Oliveira Rocha, Karina Viana Ciocci-Sassi, Patricia Fincatti, Luciana Lessa Rodrigues, Ivian Destro Boruchoswki, Juliana Azevedo Gomes, Andréa Menescal Heath, Ana Lúcia Cury Lico , Gláucia V. Silva e Claudia Storvik. É um livro cuidadosamente escrito a pais, professores, pesquisadores e educadores que se importam em oferecer à criança uma oportunidade ímpar: a aprendizagem da língua portuguesa e da cultura brasileira, num contexto de vivência fora do Brasil.
O tema me desperta muita paixão. Não apenas porque, como linguista, há muitos anos, trabalhei com um tema “irmão” ao da língua de herança em minha pesquisa de mestrado, ao propor uma estratégia de ensino “intercultural” da língua estrangeira a crianças pré-escolares - e continuo até hoje fazendo pesquisa e atuando na linha do ensino/aprendizagem intercultural do português - mas porque há alguns anos tornei-me mãe de crianças que têm o português como língua de herança. Unindo atividade profissional com interesse pessoal, abracei a causa do PLH, e a leitura do livro convence-me ainda mais que, apesar dos constantes desafios, estou no caminho certo!
Para decidir que meus filhos iriam ter no português sua língua de herança, respondi a importantes questionamentos: vivendo nos Estados Unidos, o que fazer do Português, que é minha língua materna? O que fazer dos valores culturais que me identificam como Brasileira? Vou deixar a meus filhos minha língua e cultura como herança, ou atenuar minha identidade, abafar minha história e a do meu país, e a realidade cultural em que cresci? Vou sucumbir ao uso da língua do país em que moramos e esquecer a riqueza da minha própria língua e cultura? Ou lutar pela manutenção da língua portuguesa em minha casa e oferecer aos meus filhos um conhecimento linguístico e uma experiência bicultural que vão alargar seus horizontes e lhes proporcionar diferentes oportunidades no percurso da vida?
Pais brasileiros que moram fora de seu país de origem: o que fazer da sua língua materna, o português? Por quê? Para quê? Vale a pena? Essas são perguntas que ecoam por todo o livro. E as respostas ressoam com clareza. As três partes que compõem a obra partem de uma linha temporal que seguem, na verdade, uma “filosofia para o PLH”. Nesta resenha, associo as partes do livro, “começo, meio e fim”, com a conhecida contagem em português que nos prepara para um jogo ou uma corrida: “um, dois, três e já!”
UM: No Começo, a citação de Guimarães Rosa propõe que se “conte a infância”. Lê-se a respeito da história da língua portuguesa no Brasil, que antes nem era a “língua oficial” do país. Mas depois, de língua trazida pelo colonizador, tornou-se uma língua levada para fora do Brasil, pelos imigrantes, ampliando o território onde o português brasileiro é falado. Com o tempo, ações governamentais de incentivo ao Português como Língua de Herança nos países onde há a diáspora brasileira passaram a facilitar iniciativas de pais e professores no exterior. No começo, especificamente agora, na primeira infância, também se dá o início do vínculo afetivo e do desenvolvimento emocional pela língua de herança. Nessa fase, como bem se argumenta no texto, pode-se adotar a “flacidade” ou a “plasticidade” cultural, que interpreto como o “deixar-se submeter” `a cultura dominante ou o “deixar-se dialogar” com ela. Fato é que as crenças do brasileiro em se ver inferiorizado, descontente com seu país, e o receio de que seu filho não terá um bom desempenho acadêmico afetam diretamente seu compromisso em transmitir o português como língua de herança. O livro direciona pais que desejam valorizar a bagagem cultural e linguística que trazem consigo. Muitos vão se identificar com os questionamentos que aborda: a televisão ajuda ou atrapalha? A quantidade do input na língua de herança é mais importante do que a qualidade? Como acontece a interação linguística entre pais e filhos bebês? Que atitudes são cabíveis para manter a língua? Que estratégias podem auxiliar os pais?
A língua de herança é também um espaço de “integração de identidades”. O contexto multicultural e multilíngue de uso da língua é intrinsicamente complexo devido a crenças e peculiaridades socioculturais e ambientais que podem extrapolar o universo da família ou da escola bilíngue para alcançar políticas regionais ou nacionais.
DOIS: O Meio, como aquela “pedra no meio do caminho”, do poema de Drummond evocado na introdução dessa parte, traduz-se tanto pela forma como a criança pode se tornar bilíngue, como também pelos desafios que se apresentam à medida que crianças multiculturais vão crescendo. Procura-se responder a perguntas, como: Como desenvolver a consciência fonológica, sintática e pragmática em um universo multicultural e multilíngue? Que espaços ocupam a alfabetização e a leitura nesse contexto? Como a afetividade e a cognição se coadunam no desenvolvimento de um ser bilíngue? Lidar com alunos bilíngues não é tarefa fácil, e o desencorajamento da língua de herança, em favor da língua dominante no país, pode erguer barreiras intransponíveis. Para lutar contra isso, enfatiza-se que, desde o princípio da idade escolar, é necessário priorizar a conscientização do valor social, cultural e mesmo profissional da língua de herança. E isso pode muito bem ocorrer pela incorporação de atividades de alfabetização, fundamentadas por meio de programas de formação em PLH a profissionais e familiares.
Resultados positivos poderão ser alcançados se houver um planejamento. A formalização de um currículo em língua de herança torna–se peça chave para o sucesso na língua. Um currículo de impacto, como bem se expõe, envolve uma característica essencial: a criatividade. Crianças de diferentes faixas etárias se beneficiam com projetos pedagógicos que estimulam a releitura criativa de contos, a exploração dos diferentes sentidos das palavras, e a transformação de objetos através de novos conceitos. Sob esse enfoque, o ato de ler ganha extrema importância, especialmente porque as histórias propulsionam um grande projeto: o leitor passa a ser um escritor!
Há três elementos muito importantes no meio em que a criança aprende a língua: a família, a escola e a comunidade. Desses três, ressalta-se com muita propriedade o papel crucial da família, fonte da herança da língua portuguesa falada no Brasil. Como as famílias se enxergam, que sistema político adotam dentro de casa para a manutenção da língua e como o próprio aprendiz se vê são aspectos de suma importância para o sucesso na LH. As escolas e a comunidade dão sustento à iniciativa das famílias.
TRÊS: O fim, o que seria o fim? Uma reflexão de Fernando Pessoa nos guia para a conclusão da obra: “Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena”. O fim, como bem está exposto “é apenas o começo”. O ensino/aprendizagem de PLH não termina na infância. Na verdade, não termina nunca, porque tem muitos “fins”, sim, “finalidades” que se expandem, se transformam, e revigoram o PLH. Iniciativas para o trabalho com adolescentes e adultos estão presentes, em especial em regiões onde há concentração de imigrantes e em universidades que oferecem o ensino da língua portuguesa. Muitas vezes, estudantes universitários não tiveram a oportunidade de aprender a língua em casa, com seus pais, na escola ou na comunidade quando pequenos, mas têm no português uma referência familiar importante. Experiências linguísticas e culturais de alunos se transformam em rico material para a sala de aula. Diversos contextos de uso e registros motivam estudantes a se reencontrar com suas origens.
O jovem e o adulto bilíngue têm um desafio muito grande: que importância dar a seu bilinguismo e biculturalismo? Os filhos de brasileiros que moram no exterior buscam uma identidade para se apoiar. E aqui reside mais uma vez o papel fundamental da família: a relação dos adolescentes com os pais é essencial para a identidade linguístico-cultural do filho. Nessa fase, o jovem fará suas escolhas e no fim das contas, pesará se o longo caminho de aprendizagem do PLH valeu a pena. Ao contemplar os relatos do livro, as experiências e a proposta como um todo, os resultados certamente compensarão os sacrifícios da jornada.
E JÁ!
O livro Português como Língua de Herança: A filosofia do começo, meio e fim é uma leitura fundamental a todos que se encontram ou se encontrarão em situação de multiculturalismo e multilinguismo, tendo o português como língua de origem e sua manutenção como alvo.
Vivendo nessa situação há muitos anos, conheço pais que se arrependeram por não terem incentivado o português de seu filho. O “E já!” lança o desafio, impulsiona os participantes a se lançarem na pista de corrida e a buscarem o prêmio na linha de chegada: o sucesso da comunicação em Português Língua de Herança. A leitura do livro é, a meu ver, imprescindível para a conquista do prêmio.